Fiquei pensando em tudo quanto temos discutido aqui, sobretudo no post anterior "Educar, Vigiar e Punir” e convenci-me de que algumas observações precisam ser trazidas à pauta quando ressaltamos o caráter autoritário do nosso ensino. Não é que estejamos acusando em particular a “Tia Graça”, minha professora no ensino fundamental, de tirânica. Não é que estejamos suspeitando das intenções dos professores aos quais o post mencionado faz referência. Nossa discussão aqui é tão somente a respeito das posições. Dos lugares a partir de onde se pensa o processo de aprendizado.
O ponto central é que uma posição define uma postura, um modo de ver e esse modo de ver institui uma maneira particular de agir. Nesse sentindo, a intenção explícita ou a pura ação desprovida de crítica cumprem com o mesmo papel. A cena das crianças caminhando cercadas por um cordão de isolamento surgiu em "Educar, Vigiar e Punir” não como o problema em si, mas como a evidência de uma posição. Outra evidência fácil de acompanhar é a disposição de nossas salas de aula. Cadeiras enfileiradas dispostas de modo “perspectivo" em relação ao professor, que assume a posição de orador e emissor da verdade. A fala do professor, nessa posição, se assemelha a de um sacerdote, um iluminado, de alguém que conhece a verdade e é capaz de ensiná-la. O cordão de isolamento, é apenas uma metáfora física da estrutura geral de poder que norteia as relações entre quem pode ensinar e quem deve aprender. É claro que, em certa medida, não há como fugir às relações de domínio e poder. O próprio uso da fala como exercício de poder é algo incontornável. A Conferência de Roland Barthes para a aula inaugural da cadeira de semiologia literária do Collège de France em janeiro de 1977 já nos dá conta disso. Não é que a fala seja um instrumento, um meio neutro de comunicação que possa vir eventualmente a ser usado como meio de controle e dominação “falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: toda língua é uma feição generalizada”, a fala que sujeita, todavia, também não representa apenas um mau uso língua, a própria língua, ”como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer.” A educação põe a fala a serviço do conhecimento. O saber manifesta-se pelo dizer, pela capacidade de discorrer e, claro, de reter o conhecimento. A língua nesse sentido encerra um desejo particular de fala, posto que o que se deseja é dizer o mundo. Mas caberia o mundo inteiro numa frase, numa palavra, na palavra? Que tamanho tem a palavra mundo? O mundo aqui tem a exata medida da palavra. Ensinar é fazer com que as coisas caibam nas palavras. Ensinar é dizer o que são as coisas e dizer é violentar as coisas até o sentido. Mas até aonde se pode levar a palavra? Até aonde as coisas nos seguem com a palavra? Frequentemente há coisas que nos roubam as palavras, nos precipitam no silêncio e no impossível da linguagem. Nesse precipício, linguagem não é comunicação, fala não é mensagem, a linguagem, nesse lugar perigoso do silêncio e do espanto é a presença das coisas nos informando o mundo, maior do que qualquer palavra. O ensino, como exercício puro da predicação, como prática enunciativa do mundo, nos desvia por fim das próprias coisas. Nosso ensino aliena a experiência do mundo, o "fenômeno" de Husserl, em benefício do conceito. Não é isso o que ensinamos, os conceitos? Não é isso o que os alunos devem aprender, guardar, etc.? “A Ciência sobrevoa todas as coisas, mas se recusa a habitá-las” nos diz Merleau-Ponty em seu "O Olho e O Espírito". Nós, professores, como intermediários desse pensamento de sobrevoo, no desejo obstinado de ensinar, desviamos o olhar do aluno das coisas e reclamamos sua atenção aos conceitos estabelecidos. Fazemos o melhor que podemos, ensinamos aquilo que pensamos saber. Para fechar, a frase com que Barthes encerra seu próprio discurso: "Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia, nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível." Nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor? Será essa uma conjunção possível? Demasiado ingênuo? Um desejo impossível de realizar? Não se trata aqui do que se pode realmente fazer, trata-se, como já falei, da posição que se ocupa na relação com as coisas. Como nos asanas do ioga, a ação que se deseja realizar é tão importante quanto o desejo de realizá-la.
O ponto central é que uma posição define uma postura, um modo de ver e esse modo de ver institui uma maneira particular de agir. Nesse sentindo, a intenção explícita ou a pura ação desprovida de crítica cumprem com o mesmo papel. A cena das crianças caminhando cercadas por um cordão de isolamento surgiu em "Educar, Vigiar e Punir” não como o problema em si, mas como a evidência de uma posição. Outra evidência fácil de acompanhar é a disposição de nossas salas de aula. Cadeiras enfileiradas dispostas de modo “perspectivo" em relação ao professor, que assume a posição de orador e emissor da verdade. A fala do professor, nessa posição, se assemelha a de um sacerdote, um iluminado, de alguém que conhece a verdade e é capaz de ensiná-la. O cordão de isolamento, é apenas uma metáfora física da estrutura geral de poder que norteia as relações entre quem pode ensinar e quem deve aprender. É claro que, em certa medida, não há como fugir às relações de domínio e poder. O próprio uso da fala como exercício de poder é algo incontornável. A Conferência de Roland Barthes para a aula inaugural da cadeira de semiologia literária do Collège de France em janeiro de 1977 já nos dá conta disso. Não é que a fala seja um instrumento, um meio neutro de comunicação que possa vir eventualmente a ser usado como meio de controle e dominação “falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: toda língua é uma feição generalizada”, a fala que sujeita, todavia, também não representa apenas um mau uso língua, a própria língua, ”como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer.” A educação põe a fala a serviço do conhecimento. O saber manifesta-se pelo dizer, pela capacidade de discorrer e, claro, de reter o conhecimento. A língua nesse sentido encerra um desejo particular de fala, posto que o que se deseja é dizer o mundo. Mas caberia o mundo inteiro numa frase, numa palavra, na palavra? Que tamanho tem a palavra mundo? O mundo aqui tem a exata medida da palavra. Ensinar é fazer com que as coisas caibam nas palavras. Ensinar é dizer o que são as coisas e dizer é violentar as coisas até o sentido. Mas até aonde se pode levar a palavra? Até aonde as coisas nos seguem com a palavra? Frequentemente há coisas que nos roubam as palavras, nos precipitam no silêncio e no impossível da linguagem. Nesse precipício, linguagem não é comunicação, fala não é mensagem, a linguagem, nesse lugar perigoso do silêncio e do espanto é a presença das coisas nos informando o mundo, maior do que qualquer palavra. O ensino, como exercício puro da predicação, como prática enunciativa do mundo, nos desvia por fim das próprias coisas. Nosso ensino aliena a experiência do mundo, o "fenômeno" de Husserl, em benefício do conceito. Não é isso o que ensinamos, os conceitos? Não é isso o que os alunos devem aprender, guardar, etc.? “A Ciência sobrevoa todas as coisas, mas se recusa a habitá-las” nos diz Merleau-Ponty em seu "O Olho e O Espírito". Nós, professores, como intermediários desse pensamento de sobrevoo, no desejo obstinado de ensinar, desviamos o olhar do aluno das coisas e reclamamos sua atenção aos conceitos estabelecidos. Fazemos o melhor que podemos, ensinamos aquilo que pensamos saber. Para fechar, a frase com que Barthes encerra seu próprio discurso: "Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia, nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível." Nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor? Será essa uma conjunção possível? Demasiado ingênuo? Um desejo impossível de realizar? Não se trata aqui do que se pode realmente fazer, trata-se, como já falei, da posição que se ocupa na relação com as coisas. Como nos asanas do ioga, a ação que se deseja realizar é tão importante quanto o desejo de realizá-la.
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