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foto de Paloma Carvalho |
A palavra "coexistência" que nomeia a presente exposição reflete mais do que pura e simplesmente um título, também ultrapassa uma organização anedótica dos trabalhos aqui expostos. Se existir [ex(s)istere] já supõe um estar fora, uma maneira, por assim dizer, estética de ser (não apenas em potência, mas em ato), co-existir designa o próprio caráter político da nossa condição como humanos. Existir, em termos humanos, é sempre existir entre humanos, disputar um mesmo espaço, distribuir suas posições e partilhas do comum.
Compartilhar as sensibilidades que assim se constituem é precisamente o desafio ao qual se entregaram os cinco artistas da presente mostra expositiva. Não há passividade nesse encontro, é um encontro de vontades e formas de dizer, mas também de assumir determinadas posições e conflitos no espaço. Nem por isso deve-se supor que não haja também unidade. O que se dá, de fato, é que a unidade aqui não é apenas um. Trata-se de uma multiplicidade "com-partilhada", antes de ser uma unidade a ser dividida.
Assim, veremos, a exposição conta com dois espaços, onde coexistem Extrativismo Urbano, de Bruno Schmidt, Infâncias Fósseis, de Marcello Rosauro, A Forma do Tempo, de Roberto Barciela, Reminiscências, de Ana Paula Lopes e Somatória, de Paloma Carvalho. Obras que se unem pelos avessos, avesso do tempo que se curva, da existência comum dos incompossíveis, do verso dos lambe-lambes publicitários, das potências e tonalidades da cor. Verso, cor, ritmos, narrativas, tempo e poesia se abrem aqui e se "des-organizam", se enfrentam e se desafiam reciprocamente:
Nas infâncias tornadas esculturas, de Infâncias Fósseis, de Marcello Rosauro, que insistem na constituição de um presente impossível no qual podem conviver a memória de infância d pai, com a atualidade da infância da filha, como que a enunciar um tipo de temporalidade que não passa, mas que também não se eterniza;
Ou nos puçás de A Forma do Tempo, de Roberto Barciela, objetos deslocados do seu uso funcional, da rotina e do tempo do trabalho na pesca de caranguejos que, uma vez fixados plasticamente no teto, flutuam, para se metamorfosearem em metáforas do espaço-tempo. Mais uma vez, como se tempo fosse coisa de se pendurar no teto, a temporalidade aqui também não conhece sucessão, ela apenas acontece, nem Chronos, nem Aion, o tempo aqui é matéria poética.
Tal como é poesia o que resulta do verso, não nos referimos aos versos do poema (ainda que o pudéssemos adequadamente fazê-lo), mas do verso dos lambe lambes dos cartazes publicitários de Extrativismo Urbano, de Bruno Schmidt. Olhar o informe publicitário pelo verso, por suas costas, pelo que não está dito, pelo "reprimido" da fala publicitária, é reconhecer que há algo de poético em tudo quanto está por trás, é afirmar que também no verso do papel ordinário, agora tornado inútil, descartado, desprezado em sua rápida obsolescência publicitária, há poesia, mistério e sagrado.
A exposição continua na coexistência dos trabalhos Reminiscências, de Ana Paula Lopes, e Somatória, de Paloma Carvalho. Em Reminiscências, também o sagrado e o reprimido são postos em questão. Abordando-os, todavia, de outro lugar, eleva nosso olhar para aquilo que o sagrado pode conter de violência. A violenta sacralidade da família, o ataque e as agressões que mulheres sofrem em seu cotidiano, sua exclusão e opressão tornadas algo com o que podemos simplesmente conviver, algo com o que nos acostumamos, tornamos nossos, nos familiarizamos e escondemos no verso de nossas casas, nossas falas e nossos silêncios.
No trabalho Somatória, de Paloma Carvalho, por meio de feixes suspensos de cores, também nosso olhar é convidado a se elevar, não ao sagrado, mas em direção ao branco ambiente das paredes e à dança ritmada de cores sutis, em contraste com a explosão dramática das obras com as quais partilha o espaço expositivo. O ritmo aqui é suave, um rastro flutuante de camadas transparentes, faixas fluorescentes de trajetória triangular, que nos convidam a olhar para a cor e, através da cor, o conjunto arquitetônico do prédio. A cor não quer se impor à arquitetura, não lhe violenta, quer lhe oferecer uma roupa, uma forma a mais de se mostrar. Mas é precisamente um desses feixes singelos de cor que desafia o espaço da sala anterior. Delicadas camadas de cor que resistem e ligam, por seu toque singelo e sua transparência, os dois ambientes expositivos, suas contradições e formas de coexistir.
Coexistência nos oferece um repertório variado de técnicas e práticas visuais, mas, também, de linguagens, temáticas, e olhares sobre o mundo. É ação política, expressa pelo desafio cotidiano de ver e fazer ser visto, falar sobre o que se vê e sobre o que se oculta no que é mostrado, mas, sobretudo, pelo imenso desafio de "con-viver".
Compartilhar as sensibilidades que assim se constituem é precisamente o desafio ao qual se entregaram os cinco artistas da presente mostra expositiva. Não há passividade nesse encontro, é um encontro de vontades e formas de dizer, mas também de assumir determinadas posições e conflitos no espaço. Nem por isso deve-se supor que não haja também unidade. O que se dá, de fato, é que a unidade aqui não é apenas um. Trata-se de uma multiplicidade "com-partilhada", antes de ser uma unidade a ser dividida.
Assim, veremos, a exposição conta com dois espaços, onde coexistem Extrativismo Urbano, de Bruno Schmidt, Infâncias Fósseis, de Marcello Rosauro, A Forma do Tempo, de Roberto Barciela, Reminiscências, de Ana Paula Lopes e Somatória, de Paloma Carvalho. Obras que se unem pelos avessos, avesso do tempo que se curva, da existência comum dos incompossíveis, do verso dos lambe-lambes publicitários, das potências e tonalidades da cor. Verso, cor, ritmos, narrativas, tempo e poesia se abrem aqui e se "des-organizam", se enfrentam e se desafiam reciprocamente:
Nas infâncias tornadas esculturas, de Infâncias Fósseis, de Marcello Rosauro, que insistem na constituição de um presente impossível no qual podem conviver a memória de infância d pai, com a atualidade da infância da filha, como que a enunciar um tipo de temporalidade que não passa, mas que também não se eterniza;
Ou nos puçás de A Forma do Tempo, de Roberto Barciela, objetos deslocados do seu uso funcional, da rotina e do tempo do trabalho na pesca de caranguejos que, uma vez fixados plasticamente no teto, flutuam, para se metamorfosearem em metáforas do espaço-tempo. Mais uma vez, como se tempo fosse coisa de se pendurar no teto, a temporalidade aqui também não conhece sucessão, ela apenas acontece, nem Chronos, nem Aion, o tempo aqui é matéria poética.
Tal como é poesia o que resulta do verso, não nos referimos aos versos do poema (ainda que o pudéssemos adequadamente fazê-lo), mas do verso dos lambe lambes dos cartazes publicitários de Extrativismo Urbano, de Bruno Schmidt. Olhar o informe publicitário pelo verso, por suas costas, pelo que não está dito, pelo "reprimido" da fala publicitária, é reconhecer que há algo de poético em tudo quanto está por trás, é afirmar que também no verso do papel ordinário, agora tornado inútil, descartado, desprezado em sua rápida obsolescência publicitária, há poesia, mistério e sagrado.
A exposição continua na coexistência dos trabalhos Reminiscências, de Ana Paula Lopes, e Somatória, de Paloma Carvalho. Em Reminiscências, também o sagrado e o reprimido são postos em questão. Abordando-os, todavia, de outro lugar, eleva nosso olhar para aquilo que o sagrado pode conter de violência. A violenta sacralidade da família, o ataque e as agressões que mulheres sofrem em seu cotidiano, sua exclusão e opressão tornadas algo com o que podemos simplesmente conviver, algo com o que nos acostumamos, tornamos nossos, nos familiarizamos e escondemos no verso de nossas casas, nossas falas e nossos silêncios.
No trabalho Somatória, de Paloma Carvalho, por meio de feixes suspensos de cores, também nosso olhar é convidado a se elevar, não ao sagrado, mas em direção ao branco ambiente das paredes e à dança ritmada de cores sutis, em contraste com a explosão dramática das obras com as quais partilha o espaço expositivo. O ritmo aqui é suave, um rastro flutuante de camadas transparentes, faixas fluorescentes de trajetória triangular, que nos convidam a olhar para a cor e, através da cor, o conjunto arquitetônico do prédio. A cor não quer se impor à arquitetura, não lhe violenta, quer lhe oferecer uma roupa, uma forma a mais de se mostrar. Mas é precisamente um desses feixes singelos de cor que desafia o espaço da sala anterior. Delicadas camadas de cor que resistem e ligam, por seu toque singelo e sua transparência, os dois ambientes expositivos, suas contradições e formas de coexistir.
Coexistência nos oferece um repertório variado de técnicas e práticas visuais, mas, também, de linguagens, temáticas, e olhares sobre o mundo. É ação política, expressa pelo desafio cotidiano de ver e fazer ser visto, falar sobre o que se vê e sobre o que se oculta no que é mostrado, mas, sobretudo, pelo imenso desafio de "con-viver".
Realização Volta - Coletivo de Arte, Curadoria Guido Conrado.
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