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Moda, Tendências, Design e Ensino

Foi num curso do qual participei no Instituto Politécnico de Design de Milão, acho que em 2010, na palestra da professora Chiara Colombi, sob o título “A Moda e a Pesquisa. - Trend Direction” que se configuraram minhas primeiras questões sobre tendência e, principalmente, sobre a “efetiva” possibilidade de se identificar previamente modelos e maneiras de consumo futuras.
Tratou-se, diga-se de passagem, de uma palestra muito bem estruturada, bem fundamentada e que intentava estabelecer a distinção entre dois modos de abordar o problema das tendências a) um, tal como formulado no passado que, desprovido de qualquer método, arrisca-se de maneira “improvisada” e “amadora” e outro, b) pautado na pesquisa multidisciplinar e em rigorosa metodologia científica, esse último, ao que parece, é o praticado pela própria palestrante. 
A palestra convence. Como é de praxe às virtudes retóricas da ciência, demonstra a eficácia instrumental do método, mostra-o operativo e respeitável. Daquilo todavia que parece “diferenciar” uma “Ciência da Tendência” de uma “Tendência Improvisada” parece-me todavia que o maior mérito teórico da primeira é simplesmente o de reconhecer-se como algo impreciso.
Reconhecer que não é possível reduzir o consumo, por exemplo, à mera circunscrição de classes sociais ou etárias, e com isso reconhecer a necessidade de esforçar-se por encontrar novas “ferramentas” que permitam “acessar” o campo misterioso dos desejos de consumo da sociedade, em seus mais diversos grupos e arranjos coletivos.
Sim, porque, mesmo que Simmel em seu capítulo sobre a "Arbitrariedade da Moda" (2008) tenha apresentado como argumento de sua defesa da moda como "fenômeno sociológico" o fato de que suas mudanças, suas transformações, não façam "nenhum" sentido, não sigam nenhuma ordem lógica, nenhuma "causalidade" necessária - em outras palavras, o fato de que a moda muda constantemente e por razões que não podem ser explicadas ou previstas por nenhuma natureza específica - isso não desencorajou, de modo algum, o desejo [a necessidade, alguns dirão] de prever o futuro ou, na linguagem do mercado de moda, de dominar as tendências.
E ainda, essa capacidade de prever as mudanças na moda, de definir [ou de ler] os sinais das próximas tendências continua a se constituir como um "ativo" importante da "indústria", se sustentando ao longo de muitos anos, até onde é possível, na força de suas "profecias" auto-realizáveis.
Todavia, as mudanças operadas na lógica contemporânea das relações sociais têm assustado os especialistas em tendência - claro, apenas os mais inteligentes - que vêm buscando formas de "leituras" dos "cenários futuros" que sejam mais flexíveis, menos dogmáticas e que deem conta de assumir seu caráter, digamos assim, ficcionais, ainda que eles, por razões comerciais, jamais coloquem nesses termos.
É dessa maneira, por exemplo, que Dario Caldas (2006) pôde falar em "observatório de sinais" e Francesco Morace (2012) em "modelos geracionais de consumo" ou em "consumo autoral" como substitutos "cientificamente válidos" de um discurso de tendências que eles classificariam como puramente pautados na observação "amadora" e na "adivinhação". Mais uma vez, as ciências, dessa vez as sociais, vêm nos salvar da obscuridade.
Essas "pesquisas", que vieram a oferecer "novas ferramentas", "técnicas" e meios de "ler as tendências", temos que admitir, garantiram - e assim será por algum tempo, parece - uma sobrevida para os escritórios de tendência. Mas a crença na ideia de que as tendências podem ser formuladas coincide, exatamente, com a crença de que o mundo ou a sociedade são unidades homogêneas, por mais que compostas, é bem verdade, de variados agentes e objetos.
Para que pensem que o cenário geral, que a "constelação geral" de sinais, aponta de algum modo privilegiado para um futuro passível de ser lido e "pré-visto" é preciso que o "mindset" dos discursos de tendência, para usar um termo da moda, seja ainda o de um mundo unitário, formado por sujeitos que se constituem por intermédio de grupos sociais, dentro das fronteiras de um povo, um estado, uma cultura, ou um "campo de funcionamento" (BOURDIEU, 2001) que, por mais variável que seja, mantém-se sempre irremediavelmente idêntico a si próprio. A essa "lógica" de pacificação dos muitos é que Paolo Virno contrapõe o conceito de multidão e Maurizio Lazzarato o de multiplicidade.
Seguindo as formulações dos dois referidos pensadores pode-se afirmar - e agora sou eu aqui a arriscar uma previsão – que a força mobilizadora dos "grandes discursos", das "grandes narrativas" sobre moda [inferência minha, nenhum dos dois trata diretamente desse tema], no contexto do pós-fordismo (VIRNO, 2003) ou da sociedade de controle (Lazzarato, 2006) tendem a ser cada vez menores, visto que "a força dos laços fracos" (GRANOVETTER, 1973) se mostra mais evidente e que os "muitos" se recusam a reconhecerem-se em formas de unidades hegemônicas pacificadas, seja como povo ou mesmo como público consumidor.
Os termos multidão ou multiplicidade são apenas maneiras diferentes, não de dizer a mesma coisa, mas de mostrar por intermédio de conceitos que se atravessam em muitos pontos, que o nível-macro, a parte maior, a "macroestrutura", “as tendências” ou como quer que se deseje chamar, não determina a priori as partes pequenas das quais se compõe, e, principalmente, não as constitui. É precisamente nesse limite que esbarram as tentativas, mesmo as mais criativas e melhor articuladas, de previsão do futuro.
As questões acima formuladas compõe parte dos objetos de interesse especulativo do Rés_Design e foi exatamente partindo daí que surgiu o exercício de "especulação-experimentação" Novos Modos de Pensar, Moda, Design e Ensino. Você pode conferir os registros da primeira rodada de prototipação ocorrida em maio e teremos uma nova rodada em agosto. Acompanhe por aqui, participe, a gente pensa melhor no Coletivo.

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